domingo, 28 de junho de 2009

A opinião do Dr. Jorge Rodrigues























Dr. Jorge Rodrigues

Juiz de Exposições de Cães de Parar e de Raças Portuguesas

Juiz de Provas de Caça de Cães de Parar

Juiz de Provas de S. Huberto para Caçador com Cão de Parar

dr.jrodrigues@netcabo.pt



O Dr. Jorge Rodrigues publicou um artigo na revista da XIV Feira de Caça e Pesca e do Mundo Rural (do Algarve) - edição de 2009 - que, com a sua permissão, passamos a transcrever (com as limitações que o formato do blogue impõe):


CÃO DO BARROCAL ALGARVIO

- Poderão a História e a Morfologia explicar a sua Origem? –

O agrupamento canino conhecido como Cão do Barrocal Algarvio é hoje uma realidade e mais uma vez a sua presença nos terrenos de caça ou nas Feiras e certames cinegéticos o atestam.

Mostras anuais na Feira de Caça e Pesca do Algarve, muito participadas no ultimo decénio, a par de um crescente interesse de caçadores e de cinófilos relançam a questão de saber se estamos perante uma variedade de uma raça já existente ou no limiar do que poderá vir a ser uma nova raça.

Que há representatividade, alguma homogeneidade de tipo, dedicados e apaixonados criadores é um facto, mas não chega.

Dois aspectos são relevantes – colocar a Ciência ao serviço dos interesses regionais e nacionais e fundamentar possíveis origens, fornecendo contributos para escrever a sua História, de modo a individualizar essa possível raça perante as congéneres.

No primeiro caso, um grupo de interessados fundou uma Associação de Criadores, defensora dos interesses e divulgadora do Cão do Barrocal. Aguarda-se e é desejável uma participação mais dinâmica por parte de quem no nosso país tem poderes na área da cinofilia e cinotecnia – falo dos Serviços do Ministério da Agricultura e do Clube Português de Canicultura. Ao longo dos últimos cinco ou seis anos tivémos a oportunidade de inventariar, identificar e registar em imagens, inúmeros exemplares presentes em mostras e concentrações na Feira Algarve. Também tem sido possível a colheita de sangue e de pêlo de muitos cães deste grupo, bem como de podengos, para avaliação de DNA e estudos científicos na área cinotécnica. Recentemente foi conhecido o interesse das Universidades do Algarve e dos Açores em fazer esses estudos, estando esse material “religiosamente” guardado, já que como se poderá perceber, o caminho está cheio de escolhos e de “velhos do Restelo” que tentarão por todos os meios impedir que algo de útil se faça, como é hábito neste País de mentes pequeninas…

Trago hoje o que poderá ser um pequeno contributo para o segundo item – a História do Cão do Barrocal. São hipóteses que lanço em discussão, mas que a ciência poderá provar sem grandes dificuldades, assim haja a visão que outros que nos antecederam tiveram em Sagres e que tanto falta aos contemporâneos…

Na edição 2008 da Feira Algarve, na qualidade de Presidente da Comissão Técnica do Clube Português de Canicultura (cargo de que saí no início de 2009) em companhia dos membros mais destacados da Associação de Criadores do Cão do Barrocal e do veterinário José Ribeiro, habitual companheiro nestas andanças de matilhas e de “barrocais”, tive finalmente a oportunidade de levar a ver esses cães dois experimentados Juízes Internacionais de Morfologia Canina, Rui Oliveira e Zeferino Silva. E curiosamente, mal observaram esses cães ambos exclamaram – oh pá, afinal isto são Salukis…

Ao que retorqui – quanto muito terão influência de Salukis, agora Salukis abastardados não são…

Confesso que ganhava alguma consistência o que me tinha parecido quando observei pela primeira vez alguns exemplares ditos mais representativos, vai para uma dúzia de anos…

Poderá a História explicar ??

Talvez possa. Vamos aos factos. A História das tribos Berberes que dominavam o Norte de África diz-nos que regiões como a Numídia e o Magrebe foram sucessivamente ocupadas por Cartagineses, Romanos, Vândalos (estes provenientes das Espanhas) e Bizantinos.

No século VII d.C. vagas sucessivas de árabes foram ocupando todo o Norte de África e quase toda a Península Ibérica (excepto as Astúrias). Esses conquistadores árabes expandiram por tão vasto território a religião islâmica e a língua árabe, dominando, ou mesmo afastando na maior parte dos casos para o deserto a sul, as tribos berberes. Embora alguma coexistência de berberes e árabes tenha persistido no Magrebe

Povos tradicionalmente pastores e caçadores, serviam-se de cães para a caça. E que cães tinham estes povos de que falamos?

Os berberes usavam o Sloughi, uma raça actualmente considerada marroquina, de pêlo curto, galgo para caçar lebres e pequenos mamíferos. Como os seus donos foram afastados para o deserto ou para as montanhas, apenas alguns se terão misturado com os árabes invasores pelo que esse galgo marroquino terá pouco interesse para a nossa história.

Os árabes, que dominaram uma vasta região compreendendo o Médio Oriente, todo o Norte de África (600-1918) e a Ibéria (711-1492) permaneceram oficialmente no Reino do Algarve (Al-gharb, o Ocidente) entre 711 e 1249. Mas obviamente que esses povos que em geral designamos de Mouros ficaram por cá, miscigenados com as populações da Reconquista (moçárabes). Para a religião islâmica professada por estes árabes invasores, os cães eram considerados impuros, mas havia uma excepção – o Saluki – considerado uma dádiva de Alá e que já era representado pelos Sumérios cerca de 7000 anos a.C. e considerado pelos egípcios o Nobre. O Saluki é um galgo ligeiro de pêlo curto, tem um crânio estreito e focinho pontiagudo, orelhas caídas abundantemente peludas, membros felpudos atrás e a garupa algo descaída com os ossos ilíacos salientes; a cauda é felpuda e enrola um pouco. Distribuía-se por um extenso território do Mar Cáspio ao Sara acompanhando os árabes dominadores e apresentava cor fulva e dourada nos desertos dourados, cores muito escuras nas lavas negras do deserto e cores amarelo muito claro nas areias do Norte de África.

Embora a História registe a chegada dos Salukis à Europa e aos EUA apenas no século XIX, através de ofertas de sheiks e famílias árabes dominantes a príncipes e classes abastadas europeias, é lícito pensar que se os árabes estiveram na Ibéria tantos anos, trouxeram de certeza os seus cães para os ajudar na caça como meio de sustento ou mesmo para actividade lúdica das classes dominantes. E tem lógica deduzir que foram ficando nos locais mais inacessíveis do nosso território, onde os “mouros” não convertidos se foram aguentando mais tempo, depois do século XIII. Essas populações conquistadas e seus cães permaneceram na capital – Silves – nas serras algarvias e no Barrocal, este último local de subsistência alimentar das populações algarvias.

Daí à “mistura” com os cães que por todo o resto do território eram usados e que eram comuns na caça ao coelho e ao javali é um pequeno passo. E de facto, embora tenhamos de ter a precaução de esperar pelos estudos genéticos que possam atestar esta ideia, podemos verificar que o Cão do Barrocal do Algarve junta em si, tanto em termos morfológicos como funcionais, características que são típicas de uma raça considerada autóctone portuguesa – o Podengo Português, também com origem nos povos árabes que o trouxeram – associadas a características bem vincadas no Saluki (e que não existem no Sloughi marroquino) as quais poderão ter persistido, em “pólos genéticos” no antiquíssimo Reino dos Algarves dado o isolamento do território.

Pode ser uma estória que vos conto…

Mas a História confere-lhe fundamento. Assim os Homens da Ciência queiram estudar este caso de possível persistência de genes árabes na Ibéria, que a ser verdade, pode reescrever completamente a História deste galgo do Médio Oriente.


Legenda para as fotos (4)

1. Cão do Barrocal Algarvio 2.Árabe com Saluki 3. Podengo Português 4. O Saluki

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